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Práxis religiosa digital em tempos de Pandemia: o caso católico

A partir de março de 2020, o mundo viveu uma pandemia histórica de conse-quências inimagináveis – e que ainda não havia chegado ao fim até a publicação deste texto. A disseminação do coronavírus forçou o mundo a “fechar as portas”, levando as pessoas a se distanciarem e a se confinarem para evitar o contágio.


Durante esse período, diversas instituições religiosas, em suas várias expressões, tiveram que reinventar suas práticas rituais e comunitárias diante das medidas governa-mentais de prevenção e controle da Covid-19, como o fechamento dos templos e a proi-bição de aglomeração. Com isso, a pandemia levou os fiéis e as comunidades de fé a voltarem seus olhares principalmente para o ambiente digital, mediante formas de reli-giosidade online (ADAM, SBARDELOTTO, 2020; BARROS, VELOSO, 2020; SAN-TOS, 2020; SBARDELOTTO, 2020a, 2020b, 2020c; CARLETTI, NOBRE, 2021).


Nesse momento inédito e histórico na vida das religiões em geral, entretanto, muitas vezes houve aproximações apressadas ou distanciamentos receosos em relação ao ambiente digital. Por isso, é importante atentar e refletir sobre algumas questões co-municacionais que surgem diante deste “sinal dos tempos” da pandemia e que incidem em aspectos centrais da relação entre a religião e o digital.


Este texto busca descrever e analisar especificamente a práxis religiosa digital da Igreja Católica no Brasil ao longo do período de pandemia. Entendemos por “prá-xis”, em sentido freireano, a “reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transfor-má-lo” (FREIRE, 1987, p. 38), ou seja, a articulação entre teoria e prática, a inserção crítica em uma dada realidade que, ao objetivá-la, simultaneamente a transforma. Aqui, trata-se de buscar entender como se explicitaram a prática religiosa da Igreja Católica brasileira nos processos comunicacionais do ambiente digital em tempos de pandemia e a reflexão eclesial sobre esses desdobramentos.

Para isso, realizamos um estudo de caso sobre o site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),2 instância máxima do catolicismo no país, que atua tam-bém como um importante agregador e disseminador de informações sobre a Igreja Cató-lica nacional. Nessa página, buscamos indícios sobre a práxis digital da Igreja Católica durante a pandemia, na tentativa de articulá-los para a elaboração de inferências sobre a complexidade desse processo (BRAGA, 2008).


Coletamos notícias, entrevistas, documentos e artigos de opinião publicados en-tre os dias 11 de março de 2020 – data da decretação oficial da pandemia em nível mundial pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – e 20 de dezembro de 2020 – pra-zo final de submissão deste texto. Para tal busca, utilizamos cinco palavras-chave, a partir das quais obtivemos os seguintes resultados: 32 textos referentes a “virtual”, 23 referentes a “online”, 16 referentes a “redes sociais”, 10 referentes a “digital” e 2 refe-rentes a “internet”, em um total de 83 textos. Um único texto se repetia nas buscas com palavras-chave diferentes e foi excluído. Com isso, nosso corpus final foi de 82 textos.


Em cada texto, por sua vez, analisamos elementos informativos e de opinião que evidenciassem o papel dos processos de comunicação digital na práxis religiosa da Igre-ja Católica durante a pandemia. Nossa tentativa foi a de inferir como a experiência de distanciamento social, de fechamento dos templos e do consequente “confinamento li-túrgico” ressignificou a reflexão eclesial e as práticas religiosas tradicionais, ou fez emergir novas reflexões e práticas religiosas no e sobre o ambiente digital.


Neste artigo, primeiramente, descreveremos diversas práticas religiosas digitais que foram surgindo ao longo da pandemia, seja do ponto de vista das práticas rituais, das práticas formativas, assim como das práticas internas da própria instituição eclesiás-tica. Em seguida, analisaremos a reflexão feita por autoridades da Igreja sobre tais práti-cas religiosas, a partir de documentos e mensagens emitidos pela CNBB e de artigos de opinião de autoridades da Igreja.


Diante das limitações e potencialidades do digital levantadas nessa descrição in-diciária da práxis católica digital, fazemos algumas inferências sobre o deslocamento espaço-temporal das práticas religiosas para o ambiente digital devido a um processo de ubiquização e sobre a ressignificação das noções de presença e participação, tecendo críticas à perspectiva de uma suposta “virtualização da fé”. Com isso, concluímos que a pandemia evidenciou que a práxis religiosa contemporânea emerge não apenas como ações de religação (religare) entre o humano e o divino, mas principalmente de recone-xão entre o humano, o digital e o divino, como no caso da formação e da articulação de comunidades eclesiais digitais.

A PANDEMIA, O DIGITAL E A RECONFIGURAÇÃO DAS PRÁTICAS RELIGIOSAS

Diante do ineditismo do “confinamento litúrgico” provocado pela pandemia e da necessidade de adiar ou cancelar inúmeros eventos e celebrações religiosos, a resposta quase automática de inúmeras dioceses, paróquias e movimentos católicos no Brasil foi ampliar as transmissões de missa ou de outros momentos de oração, além de atividades de reflexão e formação pela internet. As principais iniciativas online nesse sentido em todo o país foram sendo noticiadas no site da CNBB, envolvendo principalmente práti-cas rituais, formativas e institucionais, que agora analisaremos.


Em relação às práticas rituais e celebrativas, encontramos uma grande varieda-de de experiências oferecidas aos fiéis “confinados”. No dia 27 de março, logo no início da pandemia, o Papa Francisco realizou um histórico momento de oração em uma Praça de São Pedro totalmente vazia para evitar aglomerações. O site da CNBB anunciou o evento, lembrando que seria possível acompanhá-lo através do site e das mídias sociais do Vaticano, e convidando as pessoas a utilizarem a hashtag #RezemosJuntos3. Essa hashtag também passou a ser utilizada na divulgação de outros momentos de oração, atuando como “agregador simbólico” da comunidade reunida em oração.


Uma matéria especial publicada no dia 20 de março destacava em seu título jus-tamente que “diante da pandemia redes sociais favorecem momentos de oração e comu-nhão” (DIANTE, 2020, s/p). O texto ressaltava a “criatividade” das iniciativas surgidas em todo o país para favorecer tais momentos aos fiéis. Uma delas surgiu na Diocese de Umuarama (PR), onde alguns padres se inspiraram em um sacerdote italiano, repetindo o seu gesto de encher a Igreja com fotos dos paroquianos. Segundo a reportagem, “das suas casas, os fiéis entraram em comunhão, prepararam altares e acompanharam a cele-bração”, transmitida pela internet. Outra notícia destacava a atuação dos padres idosos durante a pandemia, que “se reinventam, aderem às redes sociais e desbravam as novas tecnologias” (PADRES, 2020, s/p). O texto frisava que “engana-se quem acredita que eles não têm muita intimidade com as redes. Muitos deles tem dado show na hora de lidar com a internet”, organizando momentos de oração e de celebração através de lives.

Nesse tempo de criatividade religiosa digital, a CNBB também convidou os fiéis a conhecerem “quais aplicativos ajudam a se conectar com quem está distante e a rezar pela internet” (SAIBA, 2020, s/p). A notícia reconhecia, que, em tempo de isolamento domiciliar, as pessoas buscam atender à necessidade de estarem próximas de seus fami-liares e amigos, e também de se reunirem em comunidade de fé, agora por meio das redes sociais digitais e de aplicativos. Destacava-se o caso de um grupo de jornalistas de Brasília (DF) que se reunia periodicamente para a meditação do terço e que, diante da necessidade de isolamento, passou a utilizar a plataforma Google Hangouts para conti-nuar realizando esse momento de oração.


Como a pandemia chegou ao Brasil em pleno tempo de Quaresma – período li-túrgico de 40 dias em preparação à Páscoa –, o site da CNBB, por meio de sua Comis-são Episcopal Pastoral para a Liturgia, passou a disponibilizar, semanalmente, a partir de março, um roteiro de Celebrações em Família do Dia do Senhor, em formato PDF. A comissão explicou que, “acolhendo a orientação das autoridades civis e sanitárias, nossos bispos no Brasil orientam os fiéis a permanecerem em suas casas, evitando aglomeração de pessoas e, consequentemente não participando das celebrações eucarís-ticas” (QUARENTENA, 2020, s/p). Por isso, na falta das missas presenciais, o convite era a “celebrar o Dia do Senhor como Igreja doméstica, com nossos familiares, em nos-sas casas”. Tais subsídios, que continuavam sendo disponibilizados ao longo de 2021, traziam a indicação de um rito “caseiro” com leituras bíblicas, preces, bênçãos e cantos.


Devido à pandemia, portanto, os fiéis foram obrigados a sair dos templos e a fi-car em suas casas. Mas não ficaram necessariamente isolados nelas. A experiência reli-giosa eclesial, graças às redes digitais, não se limitou ao recinto do próprio lar. Cada fiel ou “Igreja doméstica” também podia se conectar com quem estava distante, unindo pes-soas, famílias e grupos em encontros comunitários de oração e formação pela internet, sem fronteiras geográficas, de modo especial por meio de plataformas para videoconfe-rência. Esse foi o caso de um importante momento de oração online em abril de 2020, que reuniu lideranças ecumênicas de todo o Brasil. A celebração Liturgia da Compai-xão: um compromisso solidário das religiões em tempos de Covid-19 ocorreu por meio da plataforma Zoom.

Ao longo do período pandêmico, o ambiente digital também se tornou o espaço adequado para as grandes celebrações católicas, que não puderam ser realizadas com a presença física dos fiéis nos respectivos templos. Em vários casos, optou-se pela trans-missão dos eventos via redes sociais digitais, favorecendo a participação dos fiéis por meio de comentários e mensagens.


Três grandes festas patronais – isto é, dedicadas a um santo ou santa particular, chamados de “padroeiros” – tiveram que ser reinventadas digitalmente, em um ano que marcava importantes aniversários históricos nos três casos. A primeira delas foi a maior celebração religiosa do Estado do Espírito Santo e uma das três maiores do Brasil, a festa de Nossa Senhora da Penha, em abril, cuja celebração completou 450 anos em 2020 e foi totalmente transmitida pela internet.


Esse também foi o caso da festa do Divino Pai Eterno, o segundo maior evento religioso do Brasil, que atrai mais de três milhões de romeiros anualmente a Trindade (GO), no primeiro domingo de julho. Ao completar 180 anos do surgimento dessa de-voção, a festa foi celebrada pela primeira vez sem a participação dos devotos, sendo transmitida via sites, aplicativos e redes sociais digitais.


Já a festa de Nossa Senhora do Carmo, em julho, foi a ocasião para celebrar os 300 anos da Província Carmelitana de Santo Elias, que congrega os Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Distrito Federal, Tocantins e Rio Grande do Sul. Pela primeira vez, as missas da novena e da festa nas diversas comunidades carme-litas que compõem a província não foram abertas ao público, sendo transmitidas online.8
Além disso, em outubro, todas as celebrações da novena e da festa de Nossa Se-nhora Aparecida, padroeira do Brasil, na cidade de Aparecida (SP), foram realizadas de forma online, transmitidas ao vivo pela TV Aparecida e pelas redes sociais digitais do Santuário Nacional. Também se motivou a participação dos devotos para que enviassem fotografias a serem reproduzidas durante a transmissão.

Além de todos esses momentos de oração pontuais, em maio ocorreu o lança-mento de um “altar virtual dos santos protetores da Covid-19” por parte da Arquidioce-se de Vitória da Conquista (BA).10 Trata-se de uma plataforma digital projetada com um guia interativo11, na qual o fiel pode rezar com as orações ali disponibilizadas, deixar o seu pedido de oração e também enviar uma mensagem aos clérigos da região.


Em todos esses casos, percebe-se que tais práticas apontam para uma mudança na experiência religiosa do fiel, particularmente por meio de novas espacialidades e novas ritualidades (SBARDELOTTO, 2012). Por um lado, surge uma maior abrangên-cia e universalidade em termos de opções religiosas, já que as fronteiras e as distâncias geográficas não são mais um impeditivo, os templos se tornam digitalmente ubíquos, e o acesso a eles se dá em todo o lugar, onde quer que se esteja. Por outro lado, as práticas rituais online passam a demandar novas gestualidades dos fiéis e novas “liturgias onli-ne” (ADAM; SBARDELOTTO, 2020), pois agora podem ocorrer no conforto do pró-prio lar, por meio de telas, câmeras e outras tecnologias.


A pandemia, por sua vez, afetou ainda a celebração de datas temáticas do calen-dário católico ou outros eventos que geralmente envolvem não apenas práticas rituais e celebrativas, mas também formativas. Em maio, celebrou-se o 57º Dia Mundial de Ora-ção pelas Vocações. A partir do dia 27, a Semana de Oração pelas Vocações ocorreu via redes sociais digitais. Foram realizadas iniciativas para favorecer as preces, a divul-gação e a partilha sobre o chamado à vida religiosa, matrimonial, sacerdotal e laical. No Instagram, a Pastoral Vocacional divulgou cards com trechos de uma mensagem do Papa Francisco sobre a data. Também se incentivou o público em geral a usar as hashtags #EuRezoPelasVocações e #JuntosEmProlDasVocações. Foram oferecidos ainda uma opção de tema para foto do perfil pessoal no Facebook e templates para se-rem usados pelas pessoas em seus stories no Instagram e no Facebook.

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