Por: Aline Amaro da Silva
Resumo: O presente artigo é um recorte da pesquisa desenvolvida em conjunto com outros pesquisadores, publicada na íntegra na obra Influenciadores Digitais Católicos: efeitos e perspectivas (Medeiros, 2024). O estudo reflete sobre o fenômeno dos padres influenciadores, que apresentam múltiplas e bem distintas presenças na rede, examinando o impacto deles na evangelização no Brasil. A pesquisa utiliza um estudo de caso do padre Paulo Ricardo para ilustrar como líderes religiosos utilizam plataformas digitais para disseminar a fé. A análise aborda a influência desses padres no contexto tanto sociopolítico quanto teológico, destacando as novas formas de autoridade e identidade eclesial que competem com as estruturas tradicionais da Igreja. O artigo discute como a influência digital segue a lógica da economia da atenção, em contraposição aos princípios do processo de evangelização. Apesar das oportunidades oferecidas pela digitalização, há desafios significativos que exigem prudência e responsabilidade para manter a autenticidade e os princípios da fé cristã em meio à cultura digital. A
pesquisa ressalta a necessidade de uma comunicação eclesial que promova a unidade, o diálogo sinodal e a caridade, evitando discursos hostis e polarizadores.
Palavras-chave: influência; evangelização digital; catolicismo brasileiro; eclesiologia; padre Paulo Ricardo.
Introdução
A influência digital é uma realidade em diversas nações que têm a população altamente engajada nas redes sociais. De acordo com pesquisas recentes, o Brasil é um dos países no mundocom maior taxa de adesão à internet e maior número de influenciadores digitais, portanto com uma sociedade e cultura em processo intenso
de digitalização. Um fenômeno particular são os influenciadores digitais da fé. A fim de refletir sobre esse cenário comunicativo-religioso brasileiro, o presente artigo apresenta algumas das principais características e questões sobre a influência digital católica, a partir da análise da performance midiática de padres influenciadores. Partiu-se do questionamento: do ponto de vista comunicativo, teológico e eclesiológico, que tipo de impacto a influência digital gera no catolicismo popular brasileiro, sobretudo no processo de evangelização? Além do método bibliográfico, a pesquisa faz uso da técnica de estudo de caso, delimitando para o corpus de análise os padres influenciadores que se encaixam nas categorias de arauto da verdade e de pároco digital. A partir da perspectiva comunicacional, social e teológica, tal perfil midiático presbiteral é exemplificado pelo estudo da performance do padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, das mídias tradicionais às digitais.
O texto foi dividido em três partes. A primeira aborda as características únicas da influência digital no Brasil. A segunda traz a análise da comunicação do objeto de estudo, que demonstra uma parcela do amplo fenômeno dos influenciadores católicos. Por fim, expõem-se os questionamentos e as contribuições da influência digital para a evangelização e a pastoral na contemporaneidade. Este artigo, que apresenta alguns dos principais resultados da pesquisa divulgada na obra Influenciadores Digitais Católicos: efeitos e perspectivas (Medeiros, 2024), reflete, de forma especial, sobre as consequências e possibilidades evangelizadoras-pastorais do fenômeno da influência na Igreja Católica hoje.
1 Influência Digital e Fenômeno dos Influenciadores Digitais Católicos no Brasil
Influência é relevância; ela não é medida apenas pelo número de seguidores, mas por sua capacidade de pautar conversas, debates e discussões, isto é, gerar engajamento real. Para o influenciador, um dos seus maiores ativos é a autenticidade e a sua performance de expressar o seu “ser real” ou “parecer real”, pois as pessoas confiam e preferem pessoas reais e autênticas. Outro fator de seguimento é a habilidade do influenciador e da equipe de disponibilizar conteúdos relevantes ao seu público.
A influência digital segue a lógica e dinâmica da economia da atenção, na qual a atenção do usuário é o ativo econômico, o valor real, a moeda da economia de dados. Ao passar da economia do dom, perspectiva inicial da internet que visava ao compartilhamento gratuito de informações e à construção de conhecimento colaborativo,
à economia da atenção, que busca lucrar com os dados pessoais dos usuários, a influência digital se tornou um certo tipo de autoridade, exercendo algum nível de domínio em relação a seus seguidores.
As mensagens que chegam aos usuários dessas plataformas são baseadas em gostos, opções, crenças, ideologias e valores referentes a cada um, o que permite uma influência microssegmentada, com alto poder de persuasão. Essa influência, muitas vezes modulada por sistemas algorítmicos, introduz um elemento-gestor não humano neste suposto novo tipo de dominação (Silveira; Souza; Cassino, 2022, p. 3-4).
No mercado de influência digital, o Brasil se encontra no segundo lugar do ranking da pesquisa desenvolvida pela consultoria Nielsen de 2022, atrás somente dos EUA (Extra […], 2023). Além disso, o Brasil é o país com a maior população católica do mundo, representando sozinho cerca de 10% dos católicos de todo o globo. Ao
combinar esses dois fatores, o Brasil está se tornando o maior mercado de influência digital católica no mundo.
A influência digital tem suas raízes na cultura participativa da web 2.0. Lembra-se dos primeiros blogs e do surgimento das redes sociais? Foi nesse contexto que a principal característica da rede começou a se manifestar: a interatividade entre os usuários. Na web 1.0, observou-se uma migração da comunicação de massa ou tradicional para a internet, com grandes portais divulgando conteúdo. O diferencial da web 2.0, que revolucionou a comunicação até então, reside na produção e disseminação de conteúdo pelos próprios usuários – indivíduos comuns que compartilhavam gostos, opiniões, saberes e hobbies com outros usuários.
O que inicialmente foi percebido como um hobbie pelo mercado e […] comunicação tradicionais se profissionalizou. De acordo com a plataforma Youpix […], com a organização do negócio os influenciadores passaram a ter: visibilidade, periodicidade, parceria com marcas, entregas (de conteúdos), acompanhamento (monitoramento), relevância e foco no conteúdo. […] um cenário contemporâneo instituído, com lógicas próprias de funcionamento e que gera impacto comunicacional e econômico (Camargo; Estevanim; Silveira, 2017, p. 104).
Muitos desses indivíduos começaram a atrair um grande número de seguidores e passaram a profissionalizar sua produção, aumentando a periodicidade das postagens e obtendo patrocínio de marcas e empresas. Com essa mudança de intencionalidade, de uma comunicação gratuita a uma ação lucrativa, a lógica passou da economia
do dom à economia da atenção. Não se tratava mais de partilhar um bem, mas sim de reter a atenção do maior número possível de pessoas pelo maior tempo possível. Dessa forma, a influência digital se consolidou como uma profissão. A pesquisa já citada da Nielsen de 2022 revela que, atualmente, há mais influenciadores digitais
com mais de 10 mil seguidores no Brasil do que médicos e engenheiros.
Segundo dados da pesquisa We Are Social (Kemp, 2024), o Brasil é o segundo país no mundo onde a população gasta mais tempo na internet diariamente, com uma média de 9 horas e 13 minutos por dia. Embora a influência digital possa ser divertida, interessante e, muitas vezes, útil, é crucial refletir criticamente sobre o quanto esses influenciadores impactam o dia a dia das pessoas, a fim de que eles possam se posicionar conscientemente nos espaços digitais.
Os influenciadores digitais católicos são indivíduos que utilizam plataformas digitais, como redes sociais, blogs e canais de vídeo, para disseminar conteúdos relacionados à fé católica, à doutrina, aos valores e às práticas religiosas. Grande parte desses influenciadores frequentemente combina elementos tradicionais da teologia e da devoção popular com estratégias modernas de comunicação para alcançar um grande público. Esse fenômeno traz oportunidades para a evangelização e o engajamento com um público amplo, mas também levanta questões preocupantes sobre seu efeito na Igreja e na sociedade.
De acordo com a obra Influenciadores Digitais Católicos: efeitos e perspectivas (Medeiros et al., 2024), esses influenciadores têm um impacto significativo no ecossistema comunicativo eclesial. A pesquisa revela que, além de promoverem a fé, muitos deles moldam práticas pastorais e teológicas, influenciando diretamente a comu-
nicação religiosa contemporânea. Contudo, há uma apreensão crescente com a manipulação de conteúdos religiosos para fins pessoais ou coletivos específicos. Muitos influenciadores digitais, com conteúdo seletivo da doutrina e piedade católica, estão gerando escolas de pensamento e comportamento. Existem grupos de influência fundamentados em estereótipos moralistas e fundamentalistas que tendem a ser excludentes àqueles que não se encaixam no seu molde e críticos em relação à linha institucional da Igreja atual caracterizada pela sinodalidade e saída missionária.
A autorreferencialidade é uma característica marcante nos influenciadores digitais, em geral, a qual também predomina entre os católicos, manifestando-se tanto na linguagem quanto no conteúdo. Em vez de intensificarem o sentido de comunidade, as práticas dos influenciadores católicos, em sua maioria, demonstram um tom e uma pauta egocêntricos, o que desvia o foco da mensagem central do Evangelho.
Por Aline Amaro da Silva